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Crónica de Carlos Leitão

Andamos a brincar com coisas sérias

Qui, 10/12/2020 - 08:40

As pessoas disfarçam a memória e não a gastam com o passado, nem sequer para aprender com o erro.

As pessoas disfarçam a memória e não a gastam com o passado, nem sequer para aprender com o erro. Da política aos assuntos mais palpáveis, parece-me que todos assobiam uníssona e desafinadamente para o lado, e ninguém questiona se o assobio é, sequer, audível.

Num tempo em que moinantes mal desmamados se agigantam na sombra, em frente a um computador, cresce (a par da impunidade dos mesmos) a massiva cobardia de desdenhar e ofender gratuitamente, como se esses “ordinarecos” frustrados tivessem a legitimidade que perderiam à primeira bofetada num duelo ao pôr-do-sol. E assim ajudam a vulgarizar assuntos sérios nas televisões, nos cafés (onde ainda podemos ir) e, sobretudo, nesse bicho-papão de tentáculos inimagináveis, as “redes sociais”.

Bullying ou misoginia, por exemplo, estão no prato, e vale tudo para a sua dispersão no meio das batatas e do peixe cozido. Vai tudo para o mesmo tacho da propaganda, arranjam-se porta-vozes de todo o lado e rega-se com azeite nada virgem. A coisa quer-se envinagrada que isso dá audiências e entretém. Levam-se as personalidades da teta social com os seus trejeitos habituais e chora-se muito. Já houve assédios, piropos, problemas com drogas, e tapa-se para não arrefecer. Haverá alguém a chegar para “empratar” o assunto, entretanto vulgarizado e servido logo após o vaticínio da taróloga e antes da crónica criminal. Tudo é relativo, até prova em contrário.

Com ou sem vírus, os professores estão cansados e os alunos também, mas há que arrepiar caminho que a malta está a chegar aos nórdicos, ainda que culturalmente nos movamos, lênticos, neste “mar chão” onde não bule aragem. Há que despachar cursos, mestrados e pagar propinas! E se no concurso televisivo, não se souber onde fica a Guiné ou quem foi Eduardo Lourenço, tranquilo: liga-se para o 761 300 e não sei quê, e pode ser que venha o dinheirinho em cartão.

Nos labirintos desta realidade onde se apologiza a inoperância mental, lá estará o clássico oportunismo enviesado a resolver o mesmo país da Casa Pia, de Tancos, do bullying ou das bazucas financeiras. Se a pólvora for seca, a malta apaga o fogão e faz mais um post raivoso. Venha o Natal!

 

Texto: Carlos Leitão, Fadista

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