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Crónica de Carlos Leitão

Maradona e Eusébio, a bola é do meu pai!

Qua, 02/12/2020 - 13:00

Era gaiato quando fui pela mão do meu pai festejar os 50 anos de Eusébio. Ao seu lado, um povo delirante e lendas como Bobby Charlton, Mario Kempes, Jean Marie Pfaff e Rivelino.

O meu pai teve sempre um aguerrido apego a tudo o que sentiu ter de ser preservado. Foi assim com a família, com a sua terra, com Abril e, entre mais algumas coisas, o Benfica e, por consequência, Eusébio. Neste último caso, tivemos um quid pro quo ao longo da vida. Se, para ele, o “King” era indiscutivelmente o melhor de sempre, para mim, mergulhado noutra geração sem o privilégio de estar na década de 60, Diego Maradona era, de longe, o melhor.

Era gaiato quando fui pela mão do meu pai festejar os 50 anos de Eusébio. Ao seu lado, um povo delirante e lendas como Bobby Charlton, Mario Kempes, Jean Marie Pfaff e Rivelino. Tentei-me a viajar e a imaginar um futebol que nunca vivi, mas faltava alguém que eu não via do terceiro anel da Luz: Maradona. E era isso possível se, para o meu pai e para Eusébio, estavam ali alguns dos inquilinos do Olimpo? As diatribes acerca dos pendores mafiosos, da estroinice e da cocaína dispararam de quem me rodeava. O silêncio do meu pai soou-me conivente. Porém, era-me claro que isso não bastava. Maradona foi o melhor futebolista que eu vi jogar na minha vida e era imperdoável que ninguém o tivesse convidado para a festa dos eleitos. E se ele gostava de festas!...

À falta de santos na terra, “El Pibe” respondeu com Deus na sua mão e com a magia que me fez sonhar dando-me a ilusão de o futebol poder ser mágico. É dele o melhor golo da minha história, mesmo que na sua vida muitos dos “chutos” tivessem batido na trave. Por mim, tudo mais ou menos perdoado. Para o meu pai, antes dele vinha Pelé ou Garrincha (creio que por saudosismo) e os encantados Messi e Ronaldo teriam que se colocar na fila, mas (por benesse do pai) depois de Maradona.

Uma noite, à porta do Clube de Fado, Eusébio dizia-me que “o futebol é diferente e tudo mudou”. Não sei se o disse com saudade afadistada, se com a noção de que homens como ele ou Maradona deixariam, hoje, CR7 a um canto. Mas de que valem as interpretações quando se fala do Sagrado? Estamos em campo num mundo imaginário em que Eusébio e Maradona jogam na mesma equipa com Puskas, Di Stefano e Cruyff. O estádio está repleto e o meu pai está na bancada sorrindo, vibrante.

Eu fico, por agora, desenhando sonhos, à espera do dia em que voltarei a abraçar o meu pai para festejar o golo… de Maradona, claro.

Texto: Carlos Leitão, Fadista

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