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Suicídio

Os números assustam

Seg, 18/05/2015 - 14:37

Hoje em dia, morre-se mais por suicídio do que em acidentes na estrada. Poderíamos
pensar que existe uma tendência: que, nos anos mais recentes, os portugueses têm vindo
a desistir de viver, sejam quais forem as razões que os levam a cometer um ato tão desesperado. Porém, a verdade é outra. Explicamos-lhe o que realmente dizem os números
e o que está a ser feito para ajudar os cidadãos a encontrarem de novo um sentido para a vida.

"A nossa saúde psicológica está intimamente ligada com a nossa física, com o nosso estilo de vida, com os sistemas familiares e sociais onde estamos integrados, pelo que tudo se conjuga. De uma forma transversal, o que se encontra nos suicidas é a associação de um alto grau de desesperança a uma grande incapacidade de resolver problemas”, começa por dizer Filipa Jardim da Silva, psicóloga clínica da Oficina de Psicologia.

Com o início da crise financeira, em 2008, a palavra “suicídio” passou a estar mais presente na sociedade global pelos piores motivos. Mas será que existe mesmo uma relação direta entre a crise e os casos de suicídio? E, na realidade, a taxa de suicídio tem aumentado ou diminuído? Um estudo recente, elaborado pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, revela que morrem mais pessoas por suicídio do que em acidentes de viação, mas não porque os portugueses têm tido menos vontade de viver. Aliás, é o oposto, como lhe explicamos já a seguir.

Afinal, os números estão a diminuir

Apesar das notícias alarmistas dos últimos anos, que dão conta de um aumento exponencial dos casos de suicídio em Portugal – em grande parte, devido à crise económica –, os números publicados pelo Instituto Nacional de Medicina Legal (INML) revelam exatamente o oposto. No estudo, conclui-se que, desde 2011, a taxa de suicídio tem vindo a manter-se estável, com tendência para baixar (apesar de um ligeiro aumento em 2013). O mesmo acontece com a taxa de mortes por acidente. Entrando em pormenor, João Pinheiro, vice-presidente do INML, explica que os números são, aliás, bons indicativos.

O que verificámos é que, em 2011, existiram 1094 mortes só em acidentes de automóvel. No ano passado, esse número decresceu consideravelmente, passando para 639. Com a taxa de suicídio, passámos de 1208 casos, em 2011, para 1074, em 2014. Ou seja, dos casos autopsiados por nós, concluímos que ambas as taxas reduziram, o que nos permite traçar uma ideia de que, desde 2011, as mortes em Portugal têm vindo a decrescer”, revela.  

Segundo um relatório da Organização Mundial de Saúde, divulgado no ano passado, a taxa de suicídio em Portugal baixou sete por cento, entre 2000 e 2012, encontrando-se atualmente dentro da média europeia, com os dados a revelarem que a taxa de suicídio foi de 8,2 por cada 100 mil habitantes em Portugal, quando, em 2000, se situava nos 8,8. A média global situa-se nos 11,4 por 100 mil habitantes.

Várias análises feitas ao relatório por entidades portuguesas  admitem que a crise económica não teve efeitos diretos na taxa de suicídio, já que “haverá determinantes sociais e até psicológicos que fazem com que, perante a adversidade social e partilhada, haja uma resiliência para superá-la. Penso que é muito difícil que se consiga estabelecer uma relação direta de causa-efeito entre a crise económica e a taxa de suicídio, porque estamos a falar de apenas uma circunstância. Existem muitas mais, algumas mais evidentes, outras não”, conclui o vice-presidente do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses.

Essa ideia é compartilhada por Filipa Jardim da Silva, com a ressalva da importância da medicação na prevenção dos casos. “Em parte, deve-se ao aumento do uso de antidepressivos. Há uma série de suicídios que certamente não se concretizaram, sobretudo ao nível dos desempregados e de outros grupos de risco, por causa desse efeito mitigador da medicação. Adicionalmente, observa-se em Portugal a existência de estruturas familiares e de entreajuda social na sociedade, a par do desenvolvimento individual de capacidade de resiliência face à adversidade, ambos fatores verdadeiramente protetores, que ajudam a explicar o facto de em Portugal, e também em Espanha, o suicídio não ter aumentado como noutros países igualmente afetados pela crise”, diz a psicóloga.

O apoio e a prevenção são palavras-chave contra o suicídio

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), suicidam-se diariamente em todo o Mundo cerca de 3000 pessoas – uma a cada 40 segundos – e por cada pessoa que se suicida 20 ou mais cometem tentativas de suicídio. O número anual de suicídios ronda atualmente o milhão, ou seja, cerca de metade de todas as mortes violentas registadas no Mundo, estimando-se que, em 2020, esse número atinja 1,5 milhões.

De modo a reduzir estes valores, todos os estudos indicam que a prevenção e os apoios social, familiar e profissional são as melhores ferramentas para combater este flagelo. “A prevenção do suicídio não é algo que esteja reservado a médicos e outros profissionais de saúde; deve ser uma preocupação partilhada por toda a sociedade. Todos os dados reforçam a necessidade de se estar atento aos sinais pronunciados, às alterações de comportamento, a modificações no padrão de relacionamento, a quebras pronunciadas de rendimento, a perdas súbitas de interesse e prazer. A maior prevenção será cuidarmos da nossa saúde psicológica integrados em redes de suporte seguras”, diz a psicóloga da Oficina da Psicologia. Também refere que um dos aspetos mais importantes para combater os sentimentos negativos é termos noção do nosso dia-a-dia e “perdermos” tempo a cuidar de nós. 

Se todos os dias tirarmos uns minutos para cuidarmos de nós, isto é, assegurarmo-nos que dormimos bem e em quantidade suficiente, alimentarmo-nos de forma saudável e diversificada, e encontrarmos momentos para nos exercitarmos, estamos a garantir as bases do nosso bem-estar físico e psicológico”, diz à NOVA GENTE. Um dos maiores entraves no apoio às pessoas que possuem tendências suicidas é a dificuldade em pedir ajuda nos momentos mais difíceis, já que a maior parte destes indivíduos possui doenças mentais ou físicas que os afastam dos entes mais próximos, criando uma separação por vezes irrecuperável.

A discriminação, o preconceito e, cada vez mais frequentemente, o bullying são situações que promovem o estigma e representam enormes obstáculos, causando entraves aos pedidos de ajuda e comprometendo a intervenção dos serviços de prevenção do suicídio. Nos últimos anos, os casos de bullying têm sido cada vez mais recorrentes – e mediáticos –, mostrando um lado negro das relações humanas que, mais cedo ou mais tarde, podem causar situações sem retorno. “Se promovermos relações próximas e de confiança, seremos capazes de pedir ajuda em momentos de maior desespero e de ajudarmos quem está ao nosso lado”, ressalva a psicóloga.  

Os fatores de risco a que devemos estar atentos

Segundo o Plano Nacional de Prevenção do Suicídio, são vários os fatores de risco que podem aumentar as probabilidades de alguém tentar cometer suicídio. Acontecimentos de vida, mudanças traumáticas, doenças ou condições sociais são circunstâncias que podem rapidamente influenciar qualquer pessoa e mudar o seu estado de espírito. As estratégias nacionais de prevenção têm vindo a identificar os grupos de risco.

Cerca de 50 por cento dos suicídios ocorre após os 64 anos, com uma relativa estabilidade no sexo masculino. No Sul de Portugal, e no Alentejo, o padrão torna-se ainda mais evidente, com acentuado predomínio do suicídio entre os idosos. Já entre os adolescentes, a taxa tem vindo a diminuir, apesar de continuar a ser uma das principais causas de morte entre os jovens com idades entre os 15 e os 24 anos.

Num estudo realizado pela Aliança Europeia contra a Depressão em 15 países europeus, junto de jovens entre os 15 e os 24 anos, Portugal apresentava as taxas de suicídio mais baixas para homens (5,5) e mulheres (1,3), mas entre os 15 e os 29 anos era a segunda causa de morte para homens. Os problemas acentuam-se se juntarmos fatores de risco, como o uso de drogas e o alcoolismo.

É essencial que os programas de prevenção identifiquem estes fatores e estabeleçam soluções que permitam combater a situação de um modo eficaz. “É muito importante aplicar programas específicos para a população adolescente, mas a prevenção do suicídio pode ser articulada com programas de prevenção de qualquer outro tipo de problema ou comportamento de risco e assentará sempre em promover o acesso a informação clara, a potenciar a integração em redes de suporte seguras e potenciar a inteligência emocional dos jovens, incidindo sobretudo na sua aptidão para lidar com as emoções de uma forma adaptativa, na sua capacidade de resolver conflitos e na sua aptidão para tomar decisões, numa altura de formação de personalidade”, defende Filipa Jardim da Silva. 

 
Texto: Filipe Carvalho ([email protected]); Fotos: THINKSTOCK e D.R.

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